Estou postando aqui o 1º tratamento do roteiro.
Leiam com cuidado e percebam se vocês ainda falam o mesmo texto; recuperem as palavras que possam ter sido trocadas; quem ainda não decorou, dediquem um tempinho para treinar as falas; não esqueçam das intensões enquanto falam.
Vou postar também a música da Coruja e a história da Cobra Arco Íris. Amo vocês.
1º Ato
Cena:1
Primavera: Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado, quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com lingüiça, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas. Hoje, meninos e meninas já nascem sabendo tudo! Aconteceu, então, uma história de amor...
Cena:2
— Dizem que certa vez derrubara, com uma patada, um tímido lírio branco pelo qual se haviam enamorado todas as rosas.
Andorinha: Foi o Gato Malhado, o malvado, que roubara o pequeno Sabiá, do seu ninho de ramos. Mamãe Sabiá, ao não encontrar o filho para o qual trazia alimento, suicidou-se enfiando o peito no espinho de um mandacaru.
Borboleta: Provas não existem, mas que outro teria sido? Basta olhar a cara desse bichano para localizar o assassino. Bicho feio esse.
Pato: Tenho quase certeza de que foi ele quem matou — para comer — a mais linda pomba-rola do pombal, e, desde então, certo pombo-correio perdeu a alegria de viver.
Papagaio: Faltavam provas, é verdade, mas quem podia tê-lo feito senão esse sinistro personagem, sem lei nem Deus, tipo à toa?
Galinha: Você tem que evitar o Gato Malhado, minha filhinha. Além de pegar pintinhos como você, ele rouba os nossos ovos pra alimentar esse corpo feio!
Cachorro: Eu havia procurado ele para correr e saltar. Mas ele me nos focinhos e me insultou, eriçando o pêlo, xingando-me a família, a raça, os ascendentes próximos e distantes.
Rouxinol: Um gato mau. Mau e egoísta.
Coruja: O Gato Malhado não é tão mau assim, talvez tudo isso não passe de incompreensão geral...
Pintinha: Mamãe, mamãe! Olha: O Gato Malhado está sorrindo!
— Santo Deus! Está rindo mesmo...
— Creio que ele enlouqueceu...
— Ele está é preparando alguma nova maldade...
Cena:3
Gato: Por que todo mundo fugiu se tudo está tão belo nessa chegada da Primavera? Não há tempestade, não corre o vento frio derrubando as folhas, a chuva não está desabando em lágrimas sobre os telhados. Como fugir e esconder-se quando a Primavera chegou trazendo consigo a doçura de viver?
Será que a Cobra Cascavel voltou, voltou a ousar retornar ao parque? Se for ela, darei uma nova lição para que jamais ali viesse roubar ovos da galinha, tirar pássaros dos ninhos, comer pintos e pombas-rolas.
Cena:4
Gato: Tu não fugiste com os outros?
Sinhá: Eu? Fugir? Não tenho medo de ti, os outros são todos uns covardes... Tu não me podes alcançar, não tens asas para voar, és um gatarrão ainda mais tolo do que feio. E olha lá que és feio...
Gato: Feio, eu?
Gato: Tu me achas feio? De verdade?
Sinhá: Feiíssimo... — reafirmou lá de longe a Andorinha.
Gato: Não acredito. Só uma criatura cega poderia me achar feio.
Sinhá: Feio e convencido!
Cena:5
Andorinha: Desculpa a demora, senhor Papagaio. Imagine que a Andorinha Sinhá estava conversando com o Gato Malhado!
Papagaio: Eu não queria estar lá para testemunhar uma tragédia!
Rouxinol: Além de bela, você é bem louca.
Pombo: Como conversar com o Gato Malhado?
Sinhá: Aquele sujeito caladão, orgulhoso e metido a besta. Me bole com os nervos. Mas eu duvido dessas histórias que contam dele. Gato bobo.
Galinha: Desculpa o atraso, senhor Papagaio! Minha filhinha se dedica muito a Escola de aves, mas hoje tivemos mais um pequeno incidente. Você acredita que a Pintinha fez xixi na palha?
Pintinha: Na cama, mamãe?
Galinha: Ainda tem mais essa! Ciscou... eerr... eu quis dizer... Cismou! Cismou que dorme na cama. Na palha, minha filha, na palha. E xixi, tem lugar e hora pra fazer!
Pintinha: Ah mamãe! Eu faço mesmo!!
Cena:6
Cachorro: Ouvi dizer que falastes com o Gato Malhado... Por Deus! Não seja tonta!
Sinhá: Eu não sou tonta!
Cachorro: Então tu não sabes que ele é um gato, um gato mau, e que jamais uma andorinha pode — sem com isso comprometer a honra da família — manter relações, sequer de simples cumprimentos, com um gato? Que os gatos são inimigos irreconciliáveis das andorinhas, que muitas e muitas parentas tuas morreram entre as garras de gatos como aquele? Malhados ou não? Penso que estás louca: rasgar uma velha lei estabelecida, passar por cima de regras consagradas pelo tempo, fazer tal insulto aos seus amigos, dar tamanho desgosto aos seus pais?
Sinhá: Mas ele não me fez nada...
Cachorro: É um gato, e ainda por cima, malhado!
Sinhá: Só por ser um gato, ainda por cima malhado? Mas ele tem um coração como todos nós...
Cachorro: Coração? Quem lhe disse que ele tem coração? Quem?
Sinhá: Bem, eu pensei...
Cachorro: Você viu o coração dele? Diga!
Sinhá: Ver não vi...
Cachorro: Então?
Cena:7
Gato: Acho que estou doente, amiga Coruja...
Coruja: Por quê?
Gato: Tenho vontade de correr em telhados e me sinto muito jovem... Meus bigodes ficam mexendo... Sozinhos! Tive até vontade de correr com os cães, mas eles fugiram quando me aproximei.
Coruja: Já percebi algumas mudanças em ti. Quem sabe não esteja relacionando amor à primeira vista? Desejo dizer que há gente que não acredita em amor à primeira vista. Outros, ao contrário, além de acreditar afirmam que este é o único amor verdadeiro. Uns e outros têm razão. É que o amor está no coração das criaturas, adormecido, e um dia qualquer ele desperta, com a chegada da Primavera ou mesmo no rigor do Inverno. Na Primavera é mais fácil. De repente, o amor desperta de seu sono à inesperada visão de um outro ser. Mesmo se já o conhecemos, é como se o víssemos pela primeira vez e por isso se diz que foi amor à primeira vista.
Gato: Acho que estou com febre...
Cena:8
Gato: Esquisito... Olhei uma flor e nela vi olhos da Andorinha. Confuso, fui ao lago beber água e na água também enxerguei a Andorinha, que sorria. E a reconheci em cada folha, em cada gota de orvalho, em cada raio de sol, em cada sombra da noite que chegava. Depois descobri ela vestida de prata na lua cheia. Aí eu mieeei! Já bem na alta noite quando consegui dormir, sonhei com a Andorinha, e foi a primeira vez que eu sonhei. Ah! A amiga Coruja só pode estar maluca. Não estou apaixonado. Estou apenas doente...
Cena:9
Gato: Não sei por que vim aqui. Parece que as minhas patas vieram sozinhas! Sou um gato bobo. Vou embora!
Sinhá: Não me diz bom dia, seu mal-educado?
Gato: Bom dia, Sinhá...
Sinhá: Senhorita Sinhá, faça o favor. Vá lá... Pode me chamar de Sinhá se isso lhe dá prazer. E eu lhe chamarei de Feio.
Gato: Já lhe disse que não sou feio.
Sinhá: Puxa! Que convencido! É a pessoa mais feia que eu conheço. Junto de você, minha madrinha avestruz é prêmio de beleza...
Gato: Até logo...
Sinhá: Está aí, se ofendeu... Ainda é mais convencido do que feio... Não precisa ir embora. Não lhe chamo mais de feio. Agora só lhe tratro de formoso.
Gato: Não quero também...
Sinhá: Então como vou lhe chamar?
Gato: Gato.
Sinhá: Gato não posso.
Gato: Por quê? Por que não pode?
Sinhá: Não posso conversar com nenhum gato. Os gatos são inimigos das andorinhas.
Gato: Quem lhe disse?
Sinhá: É verdade. Eu sei. Mas nós não somos inimigos, não é?
Gato: Nunca.
Sinhá: Então nós podemos conversar. Vá embora que mamãe vem aí. Depois eu vou na ameixeira conversar com você, Feião...
Cena:10
Coruja: Por ora, apenas quero dizer que eles conversaram durante toda a Primavera, sem que jamais faltasse assunto. Foram se conhecendo um ao outro, cada dia uma nova descoberta. E não apenas conversaram. Juntos, ele correndo pelo chão de verde grama, ela voando pelo azul do céu, vagabundearam por todo o parque, encontraram recantos deliciosos, descobriram novas nuances de cor nas flores, variações na doçura da brisa, e uma alegria que talvez estivesse mais dentro deles que mesmo nas coisas ao redor. Ou bem a alegria estava presente em todas as coisas e eles não a viam antes. Porque — eu vos digo — temos olhos de ver e olhos de não ver, depende do estado do coração de cada um.
Cena:11
Gato: Que fizeste de ontem para hoje? Hoje estás ainda mais linda do que ontem e mesmo mais linda do que estavas essas noites no sonho em que te vi...
Andorinha: Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu porque sonhei com uma pessoa muito feia: sonhei contigo...
2ºAto
Cena:1
Verão: Este é um capítulo curto porque o Verão passa muito depressa com o seu sol ardente e suas noites plenas de estrelas. É sempre rápido o tempo da felicidade. O Tempo é um ser difícil. Quando queremos que ele se prolongue, seja demorado e lento, ele foge às pressas, nem se sente o correr das horas. Quando queremos que ele voe mais depressa que o pensamento, porque sofremos, porque vivemos um tempo mau, ele escoa moroso, longo é o desfilar das horas. Curto foi o tempo do Verão para o Gato e a Andorinha. Encheram-no com passeios vagabundos, com longas conversas à sombra das árvores, com sorrisos, com palavras murmuradas, com olhares tímidos, porém expressivos, com alguns arrufos também... Não sei se arrufos será a palavra precisa. Explicarei: por vezes a Andorinha encontrava o Gato abatido, de bigodes murchos e olhos ainda mais pardos. A causa não variava: a Andorinha saíra com o Rouxinol, com ele conversara ou tivera aula de canto — o Rouxinol era o professor. A Andorinha não compreendia a atitude do Gato Malhado, aquelas súbitas tristezas que se prolongavam em silêncios difíceis. Entre ela e o Gato jamais havia sido trocada qualquer palavra de amor, e, por outro lado, a
Andorinha, segundo disse, considerava o Rouxinol um irmão.
Cena:2
Gato: Se eu não fosse um gato, te pediria para casares comigo...
Cena:3
Borboleta: Onde já se viu uma coisa igual? Uma andorinha, da raça volátil das andorinhas, namorando com um gato, da raça dos felinos? Onde já se viu, onde já se viu?
Papagaio: Onde já se viu, Padre Nosso Que Estais no Céu, uma andorinha andar pelos cantos escondida com um gato? Ave Maria Cheia de Graça, andam dizendo, andam dizendo, eu não acredito, eu não acredito, Creio em Deus Padre, mas pode ser, mas pode ser, Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, que ele anda querendo casar com ela. Deus me Livre e Guarde, ora se tá querendo, ora se, Amém!
Borboleta: Onde já se viu uma andorinha, linda andorinha, louca andorinha, às voltas com um gato? Tem uma lei, uma velha lei, pombo com pomba, pato com pata, pássaro com pássaro, cão com cadela e gato com gata. Onde já se viu uma andorinha noivando com um gato?
Pombo: É o fim do mundo, os tempos são outros, perdeu-se o respeito a todas as leis. Pobre Andorinha, passeia com o Gato, mal sabe ela que ele deseja apenas um dia almoçá-la.
Borboleta: O Gato é ruim, só quer almoçar a pobre Andorinha.
Galinha: Reprovo o desairoso proceder dessa tonta Andorinha. É perigoso, imoral e feio. Conversa com o Gato como se ele não fosse um gato. Logo com o Gato Malhado, criminoso nato, lombrosiano.
Borboleta: Pata com pato, pomba com pombo, cadela com cão,galinha com galo, andorinha com ave, gata com gato.
Todos: Onde já se viu? Onde já se viu? Onde já se viu?
Galinha: Andorinha não pode, não pode casar, com gato casar!
Andorinha: Minha filha vai mal, nossa filha anda às voltas com o Gato Malhado. Minha filha é uma tola, precisa casar.
Todos: Casar, mas com quem?
Andorinha: Com o Rouxinol que já me falou.
Borboleta: Que bom casamento para a Andorinha. O Rouxinol é belo e gentil, sabe cantar, é da raça volátil, com ele bem pode a Andorinha casar.
Galinha: Casar só não pode com o Gato Malhado; andorinha com gato, quem no mundo já viu?
Papagaio: Três Vezes Amém.
